A linguagem cotidiana pode ser mais violenta do que aparenta. Julgamentos, comparações subjetivas, confundir fato com opinião, solicitações confusas e até traços de personalidade —como falar alto, por exemplo — causam ruídos na comunicação e despertam sentimentos negativos em quem recebe a mensagem. Para pacificar as relações, o psicólogo Marshall Bertram Rosenberg desenvolveu a Comunicação Não-Violenta (CNV), nos anos 60. A técnica diz que todos possuem as mesmas necessidades: ser amado, respeitado, ter segurança e apoio. Contudo, sem conseguir expressá-las com clareza, geram conflitos.

 

“A CNV reformula como reconhecemos, expressamos e lidamos com as nossas necessidades emocionais e as dos outros. Exige quatro etapas: o que observamos; sentimos; como identificamos nossas necessidades e realizamos os pedidos”, resume Luan Carvalho, psicólogo clínico pelo Beck Institute na Filadelfia e neuropsicólogo pelo Departamento de Neurologia da USP (Universidade de São Paulo).

 

Neurocientista da Casa do Saber e pós-doutora pela Universidade de Chicago, Claudia Feitosa-Santana lembra que CNV ganhou outras denominações ao longo do tempo, como comunicação sustentável, empática ou construtiva. “Mas todas compartilham do mesmo princípio: uma comunicação que não busca apenas se expressar, mas se conectar com o outro”.

 

Neurociência tenta explicar

Tanto as percepções de quem comunica quanto a forma como o interlocutor recebe a mensagem geram em seus cérebros reações emocionais, como medo e raiva. Para Feitosa-Santana, é difícil descobrir exatamente quais áreas cerebrais são ativadas. “Não existe uma impressão digital para cada emoção. Pode acontecer das mesmas regiões serem acionadas em sentimentos diferentes, como alegria e tristeza. Tudo depende de como a pessoa interpreta”, acrescenta.

 

Já Carvalho vê pistas. “Há novas evidências de alterações químicas no cérebro de quem pratica violência verbal, assim como aqueles que estão expostos a este tipo de interação. Neurotransmissores como acetilcolina, dopamina, ácido gama e escassez de serotonina estão correlacionados ao comportamento violento”, afirma. Para o receptor, quanto maior a exposição à violência, menor o uso de regiões cerebrais relacionadas à cognição social. “Há hiperatividade do girofusiforme, responsável pela identificação rápida de pessoas e objetos”, conta o pesquisador.

 

O que é consenso são os benefícios da técnica no ambiente corporativo: melhor interação entre diferentes áreas da empresa, redução de comportamentos inadequados e sensação de segurança, e participação nas decisões do grupo.

 

A tarefa, entretanto, não é fácil. Basicamente, exige entender que a forma que cada pessoa vê o mundo não é parâmetro para medir o comportamento dos outros. “É aceitar a vida e o outro como de fato são, superando o ‘deveria ser’. Ultrapassa o concordar ou discordar para praticar a empatia”, destaca Carvalho. A seguir, os neurocientistas indicam formas práticas de colocar a CNV em prática no trabalho:

 

Faça solicitações claras

 

A linguagem inespecífica ou com palavras de significados diversos atrapalha a comunicação. Ao fazer pedidos, vale também dar exemplos. “Em vez de dizer: ‘sintam-se confortáveis à partir de agora’, pode falar ‘quero que me digam o que posso fazer para que se sintam mais confortáveis diante deste novo desafio'”, diz Carvalho. Feitosa-Santana também recomenda não confundir pedidos com ordens. “O primeiro pode ser negado”, diferencia. Outro ponto é checar se todos entenderam ao pedido da mesma maneira. “O desafio é fazer isso sem parecer arrogante ou estar menosprezando a inteligência dos colegas”, adverte.

 

 

Pergunte em vez de julgar

 

Feitosa-Santana lembra que o hábito de julgar é uma herança da evolução do ser humano. “Em situações de perigo, precisávamos pensar e tomar decisões rápidas”, conta. Contudo, apesar do julgamento ser inato, também possuímos a capacidade de refletir sobre o que é pensando. “Como julgamos o outro a partir do nosso repertório pessoal, este pode estar equivocado. Assim, coloque-se sempre em dúvida”, indica Carvalho. A neurocientista recomenda perguntar antes de expressar o julgamento. “O funcionário que atrasa pode não ser lento, mas estar sobrecarregado ou com problema pessoal. Você só saberá perguntando”.

 

Troque adjetivos por fatos

 

Carvalho sugere separar emoções, pensamentos e fatos na hora de se expressar. “Ao observar as situações e pessoas como elas de fato são, detecte os sentimentos gerados por suas necessidades e necessidades do outro”, diz. Uma dica simples é trocar adjetivos por dados concretos. “Felipe é muito lerdo” vira “Felipe precisou de mais tempo do que eu esperava”. “Os banheiros estão um nojo” pode ser trocado por “Eu não vi a equipe da limpeza nos banheiros na última semana”.

 

Escolha momentos para praticar

 

Repensar uma linguagem agressiva culturalmente estabelecida e mudá-la exige gasto cognitivo. “Será impossível ser empático o tempo, o que é algo normal”, tranquiliza Feitosa-Santana.

 

Pessoas possuem repertórios diferentes

 

Uma frase que pode ser recebida como violenta por um brasileiro pode ser considerada neutra para um asiático ou europeu. “Mesmo pessoas do mesmo país, estado e município terão repertórios culturais diferentes”, diz a neurocientista. Para mitigar conflitos, vale apresentar as características que podem gerar ruídos aos parceiros. “Se você está trabalhando com americanos, lembre-os que, como brasileiro, pode falar mais alto e isso não significa que estará gritando. Ou que a nossa noção de espaço pessoal é bem menor que a deles”, sugere.

 

Conflitos acontecerão. E tudo bem!

 

Seja em equipe ou individualmente, trabalhar irá gerar doses de estresse e emoções negativas. O que está em jogo é como lidamos com isso. “A CNV não visa anestesiar o desconforto. Ao contrário: experiências subjetivas devem ser aceitas como uma experiência real”, desmistifica Carvalho.

 

Não finja empatia

 

Uma critica recorrente é que a CNV é usada nos meios corporativos de forma superficial, visando manipular pessoas para obter o que se quer. Para Feitosa-Santana, o ganho de usar a técnica sem buscar a real empatia pode ser um relacionamento entre colegas mais civilizado. Mas para por ai. “O ser humano é uma máquina de identificar mentiras. É como assistir um filme e saber que o ator não atua bem”, entrega.

 

 

 

Por: Leonardo Valle