“Nós, pessoalmente, não acreditamos atualmente que há qualquer diferença entre a palavra Bruxo e Wiccaniano. O significado das palavras, como demonstramos, vem da mesma raiz. A diferenciação entre Bruxo e Wiccaniano se originou na década de 1960 quando Sanders se deparou com a rejeição por parte dos Gardnerianos e criou seu próprio caminho. Isso surgiu como resultado da não aceitação dos que não eram vistos como ‘corretamente’ iniciados ou tendo uma linhagem. As duas Tradições principais recusam-se a aceitar todos os de fora de sua Tradição como Wiccanianos e até mesmo como ‘Bruxos reais’. Por muitos anos isso dividiu a Bruxaria em dois campos e tem confundido o significado da palavra Bruxo e Wiccaniano puramente por motivos políticos. Essa divisão tem sido perpetuada pelo ditado ‘Todos os Wiccanianos são Bruxos, mas nem todos os Bruxos são Wiccanianos’. Alguns de nós que estiveram no centro dos acontecimentos achamos isso descabido, pois lembramos que o ditado era ‘Todos os Bruxos são Pagãos, mas nem todos os Pagãos são Bruxos’. Nós, como muitos outros, vimos a natureza divisiva dessa situação desde o seu princípio e sempre nos recusamos a aceitar essa divisão artificialmente criada.”
Assim, vemos que essa confusão acerca do emprego do termo Wicca/Bruxaria não é recente. No entanto, a diferença é que na década de 1950 a maioria das pessoas queria dizer que estava praticando Wicca/Bruxaria e isso trouxe uma superexposição à Wicca com práticas completamente esquisitas e esdrúxulas, que muitos começaram a criar uma separação artificial para os dois termos quando na realidade o que deveria ter sido combatido eram as práticas estranhas denominadas de Wicca/Bruxaria da época e que estavam distantes da verdadeira Arte.
Ao longo desse processo, muitas formas diferentes de Wicca surgiram, o que fez com que muitos não considerassem esses caminhos como formas de Wicca, pois eram levemente diferenciados do caminho considerado por muitos o “original”: o Gardneriano. O que precisa ficar claro é que Gardner jamais disse que somente o que ele fazia era Wicca e afirmou repetidamente em seus livros que existiam outras pessoas que praticavam em grupo ou solitariamente essa forma de religião e pontuou diversas vezes que as tradições de fé dessas pessoas poderiam ser diferentes da sua, pois a Wicca/Bruxaria ao longo de sua história teria se tornado uma religião fragmentada, com cada pessoa ou grupo tendo acesso a uma parte ou partes dela.
O que torna a compreensão do termo Wicca e Bruxaria ainda mais difícil é o fato de haver diferentes “escolas” e sistemas. Não existe uma Wicca/Bruxaria única. Existe, sim, um corpo de conhecimento composto de tradições que comparativamente são tão variadas e diferentes quanto seriam os climas dos diferentes estados ou regiões de um país que compartilham traços em comum para que sejam considerados pertencentes à mesma nação.
Na Wicca/Bruxaria esses traços são simples de serem determinados: qualquer Tradição ou prática pessoal e solitária, cuja cosmogonia reconheça a Deusa Mãe e o Deus Cornífero como princípios criadores da vida, que observe tanto a Rede Wiccaniana quanto a Lei Tríplice, que centre sua espiritualidade na Terra tendo como base os quatro elementos e possua um calendário litúrgico que se baseie na mudança dos ciclos sazonais e das fases lunares, é Wicca/Bruxaria. Dentro disso, muitos elementos podem variar substancialmente, fazendo com que uma Tradição diferencie-se enormemente de outras.
O que precisa ficar claro aqui é a distinção entre uma Tradição ou prática pessoal específica dentro de uma religião maior e uma religião com seus traços elementares e o que determina que indivíduos possam chamar-se ou considerar a si próprios membros e praticantes daquela religião. Assim, Wicca é a religião que engloba a Tradição Gardneriana, Alexandrina ou até mesmo uma prática pessoal e solitária específica e não o contrário. Poderíamos dizer, por exemplo, que o Gardnerianismo é subgrupo dessa religião, assim como o Dianismo, o Alexandrinismo ou o Georgianismo, e nenhuma dessas Tradições expressam a exclusiva identidade da Wicca, pois essa identidade é fragmentada.
Os elementos que fazem uma religião incluem um conjunto de crenças relacionadas à forma e à natureza da divindade, dias sagrados, símbolos, uma história compartilhada e um conjunto de diretrizes aceitas. Esse critério pode ser descrito como tribal, o laço que liga as pessoas e cria uma comunidade que compartilha valores em comum, tradições, rituais e costumes através dos tempos.
Hoje, as muitas Tradições da Arte, apesar de suas diferenças em relação aos nomes das Divindades e variações em cosmologia, compartilham esses critérios. Qualquer Cristão que estiver viajando próximo à data da Páscoa pode esperar encontrar uma igreja em qualquer cidade, onde outros cristãos estarão celebrando a Páscoa.
Da mesma forma, um Wiccaniano/Bruxo que esteja viajando para a Europa, Austrália, Espanha ou Brasil, próximo à data de um Solstício, Equinócio ou dos Grandes Sabbats pode, em teoria, buscar por um Coven local e/ou por uma celebração pública onde ele poderá participar da cerimônia e se juntar a outros que acreditam no mesmo que ele.
Dentro do ritual, ele poderá perceber que o tema e a estrutura da celebração do ritual serão, no geral, mas não especificamente, familiar, incluindo o lançamento de um Círculo Mágico, invocação aos quadrantes e Deuses, cânticos, elevação e canalização de energia e confraternização. Apesar das diferenças operacionais poderem ser diferentes das suas próprias, ou daquelas praticadas em seu grupo, Coven, Grove ou Círculo, a estrutura geral da cerimônia será a mesma. É precisa e exatamente porque a Wicca/Bruxaria é uma religião em que esses temas comuns podem ser reconhecidos e são familiares a qualquer praticante.
Uma Tradição, por sua vez, é um corpo de conhecimentos e práticas que são passados para outros dentro da estrutura da religião. Mesmo que haja similaridade entre todas as demais Tradições, cada uma delas possui elementos de prática peculiares inerentes somente àquele caminho, com específica linhagem de iniciadores, instrumentos, práticas, cosmologia, conjunto de diretrizes e uma liturgia consistente que distingue aquela Tradição de todas as outras.
MAS QUAL A REAL DIFERENÇA ENTRE WICCA E BRUXARIA (WITCHCRAFT)?
Basicamente nenhuma! Porém, encontramos muitas pessoas que preferem dizer que praticam Witchcraft (Bruxaria) em vez de Wicca. Isso se dá pelo fato de elas afirmarem que as práticas da Witchcraft compõem a Bruxaria Tradicional e são mais antigas que a Wicca. Outros, no entanto, preferem dizer que são Wiccanianos porque não querem ver seus nomes associados à Bruxaria, por causa das inúmeras conotações estigmatizadas e negativas a ela atribuídas através dos tempos.
Quando alguns desejam fazer diferença entre Wicca e Bruxaria eles estão, na realidade, apontando as diferenças existentes entre Paganismo e Wicca/Bruxaria ou entre Feitiçaria e Wicca/Bruxaria .
Ao contrário de Wicca/Bruxaria, Paganismo sim é um termo amplo que inclui muitas tradições de fé baseadas na Terra ou na Natureza. Assim, o termo Wicca, Bruxaria e Paganismo estão inter-relacionados. Isso demonstra que Wicca e Bruxaria são consideradas palavras sinônimas por muitos, mas que nem toda forma de Paganismo é Wicca.
Os traços que muitos apontam para classificar sua prática pessoal simplesmente de Bruxaria e não de Wicca, como, por exemplo, celebrar a natureza livremente, sem uma estruturada forma ritualística ou não ter nenhuma relação devocional com a Deusa é o que eu chamaria de Paganismo.
O Paganismo estaria muito mais de acordo com a visão de uma espiritualidade intuitiva de relação com a natureza e seus ciclos. Inclusive etimologicamente, se pegarmos a palavra Paganismo, veremos que ela vem de paganus, aquele que mora nos pagus, resumidamente significando “povo ou morador do campo”. É compreensível que um morador do campo que viva em conexão com a natureza livre também pratique uma forma de espiritualidade mais solta, menos rígida, dogmática e sacerdotal, buscando na natureza a inspiração para seu modo de vida e espiritualidade, sem que para isso haja uma relação devocional com a Deusa ou com Deuses específicos.
Como já vimos, apalavra Bruxaria, por outro lado, tem etimologia diferente. Se tomarmos a mesma palavra em inglês, que é Witchcraft, veremos que sua etimologia se estende ao radical que forma a palavra Wicca (que vem de Wicce) e encontramos outras palavras com o mesmo radical: wit, wise, wizard, todas elas significando sábio ou sabedoria. Assim, a Bruxaria é a Arte dos Sábios, ou seja, uma forma de espiritualidade com um conhecimento restrito e mantido por um grupo específico de pessoas ou de casta: os “sábios”.
Assim, a Wicca/Bruxaria é uma forma de Paganismo por manter os traços apontados acima (conexão com a natureza, busca da inspiração na forma de espiritualidade do povo do campo etc.), mas muitas formas de Paganismo não são Bruxaria. Aliás, existem muitas formas de Paganismo que assimilaram traços da religião cristã e é o que hoje se chama de Cristopaganismo. As rezadeiras e benzedeiras, que muitos insistem em dizer que praticam Bruxaria, por compreenderem equivocadamente o significado dessa palavra, estariam na realidade praticando uma forma de Cristopaganismo e não Bruxaria em si.
O que muitas pessoas hoje afirmam ser Bruxaria (Witchcraft) parece ter começado a tomar forma somente a partir da década de 1970 ou 1980, em uma tentativa de separar determinadas formas de práticas da Wicca massacrada e superexposta da época. O mesmo fenômeno está acontecendo atualmente entre os Wiccanianos Tradicionais que estão começando a usaro termo Wica, com apenas um C, para distinguir suas práticas daquelas expostas pelas muitas Tradições contemporâneas de Wicca.
O uso da palavra Bruxaria (Witchcraft) foi adotado por muitas Tradições e pessoas que não queriam ser confundidas com as Wiccanianas ou não queriam ser acusadas de praticar Wicca sem ter recebido uma Iniciação formal em uma Tradição “válida”.
Muitos, em meados da década de 1970 e 1980, começaram a se dizer praticantes de Witchcraft, pois não se encaixavam nos padrões esperados a um Wiccaniano. Dessa forma, começaram a praticar uma espiritualidade intuitiva, mesclando isso com muitas formas de espiritualidade e sistemas de magia nada europeus. Parece que o termo Bruxaria passou a ser empregado para denominar qualquer sistema individual ou de um grupo que seja muito mais flexível e eclético no conjunto de práticas, cujo único ponto de ligação entre ele e a Wicca seja a prática da magia, a observação dos fluxos da natureza e a reverência a esses ciclos.
Os Wiccanianos e os Bruxos Tradicionais Britânicos nunca aceitaram que o que essas pessoas praticam é Bruxaria e até hoje há uma briga política interna para encontrar uma verdadeira classificação para as práticas individuais dessas pessoas. Talvez esse seja o maior obstáculo a ser transposto em nossa religião na atualidade!
Os Wiccanianos e Bruxos Tradicionais Britânicos estão certos quando afirmam que essas práticas pessoais não são Bruxaria, assim como os que praticam uma forma de espiritualidade intuitiva, sem qualquer ligação com a Wicca, está certo quando dizem que o que eles fazem é Bruxaria porque esse último jamais parou pra pensar que o que ele faz, na realidade, é Feitiçaria e não Bruxaria como ela é compreendida pela imensidão de pessoas que a praticam e definem a identidade compartilhada de seu movimento espiritual. A Bruxaria a que cada um deles se refere são dois sistemas diferentes entre si.
Poderíamos dizer que a Bruxaria que muitos praticam e dizem ser diferente de Wicca ganhou notoriedade depois da década de 1970/1980 e trata-se de um conjunto de práticas individuais cujo pilar central indiscutivelmente se baseia na grande influência da Wicca, acrescidos alguns adornos pessoais para arrematar o sistema. É nisso que reside seu grande fascínio. Enquanto muitas Tradições de Wicca são fechadas, engessadas e inacessíveis, essa forma de prática é acessível, universal e abrange todos os sistemas.
Feitiçaria (tradução os inglês Sorcery) é um termo muito melhor para descrever essas práticas individuais e intuitivas. A palavra feiticeiro (a), do inglês warlock, vem do anglo-saxão waerlog que significa “aquele que rompe o juramento”.
Muitos dos que afirmam que praticam “Bruxaria” e não Wicca estão, na realidade, apontando que suas práticas não se vinculam mais ao conjunto ético e estrutural inerentes à Wicca (por onde muitos entraram no Paganismo). Logo, estão rompendo com ela e muitas vezes com seus juramentos feitos, se um dia tiverem passado por uma Iniciação formal. Dessa forma, etimologicamente, Feiticeiro (a) é um termo muito mais apropriado para nomear tais pessoas do que Bruxo (a), já que Wicca/Bruxaria indica um Sacerdócio e vínculo a uma estrutura religiosa específica.
Isso torna um Bruxo melhor que um Feiticeiro?
Não!!!
São apenas formas diferentes de Paganismo.
Há um movimento em curso que deseja nomear de Bruxaria toda e qualquer coisa ligada à magia e isso é uma incoerência terminológica e histórica sem tamanho. O que os haitianos praticam não pode ser considerado Bruxaria, por exemplo. A religião deles tem um nome e é Vodu. Uma benzedeira pratica um misto de Cristianismo e magia popular folclórica e ela não é Bruxa por isso. O mesmo exemplo pode ser aplicado às muitas outras formas de espiritualidade Pagãs que não são Wicca/Bruxaria. O que um reconstrucionista egípcio pratica é Kemetismo; o que um reconstrucionista grego pratica é Helenismo; o que um Druida pratica é Druidismo. Tudo o que foi citado acima é Bruxaria? Um Cristão diria que sim, em função do uso comum da palavra, mas na essência sabemos que cada um desses caminhos pratica coisas completamente distintas.
Estamos unidos porque somos todos Pagãos, mas o que praticamos é completamente diferente a ponto de não ser a mesma religião e seguramente nenhum dos caminhos supracitados é Bruxaria.
Eu creio que o primeiro passo a ser dado para que as brigas ideológicas internas deixem de acontecer dentro do Paganismo é empregar termos corretos para distinguir práticas específicas. Não consideramos magia africana, cigana, havaiana ou qualquer outro tipo de magia como Bruxaria. Para nós essas práticas se chama FEITIÇARIA.
Por: Claudiney Prieto